Só o ser humano faz Arte

A Arte é mais que expressão pessoal ou uma forma de conhecimento, é um ato de criação e como tal, um ato de Amor.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

À teimosia dos objetos



É preciso arrumar a casa, sempre. Ainda que não a limpe, é preciso arrumar. Mesmo que não a faxine, é preciso arrumar as coisas, por tudo em seu devido lugar, todos os dias, sempre.
Hoje eu não arrumei a casa e os objetos ficaram provocadoramente fora do lugar, pedindo para que eu fosse arrumar a casa, mas eu não arrumei. Eu não quis ou estava sem forças para lutar contra o cansaço, porque cansei sim. Cansei de por todos os objetos no lugar. Como pessoas teimosas que me circundam a vida, esses objetos parece que têm vida. Eles insistem em ficar fora do lugar. Por exemplo: a pinha que eu ponho sempre na prateleira da estante de livros da sala de jantar, insiste em passear pela casa. A cada instante eu a vejo, e ela está em qualquer lugar, provocando-me em lembranças esquecidas, desviando-me dos afazeres cotidianos e banais para me fazer viajar pelos espaços distantes e longínquos das vagas recordações, atrasando-me, fazendo-me queimar o arroz, deixando-me surda aos apelos pueris que me circundam também como as pessoas teimosas...


É preciso arrumar a casa, sempre. Acordar e começar a por tudo no lugar, porque é a noite que os objetos se mexem. É a noite que eles passeiam pela casa e escolhem outro lugar que não é o seu e ficam lá, esperando amanhecer e eu me dar conta de que tenho que levantar para arrumar a casa, mesmo que eu esteja cheia de sono, mesmo que eu esteja cansada, mesmo que eu esteja irremediavelmente doente e sem forças, querendo permanecer como as coisas fora do lugar...porque quando me deito, ainda que não durma, eu não me incomodo com os objetos fora do lugar. Mantenho os olhos fechados e então, tudo faz sentido, ainda que aparentemente, os objetos estejam fora do lugar...

Sim, é preciso arrumar a casa porque eu tenho que levantar todos os dias e viver, fazendo coisas até o tempo acabar, até não haver mais nem um grão de areia para escorrer. Eu tenho que arrumar a casa e colocar tudo no lugar, ainda que não limpe, mesmo que não faxine, os objetos irão para o lugar e eu terminarei o dia satisfeita, com a sensação boba do trabalho bem feito, da obrigação cumprida, do dever atendido. E nunca, nunca mesmo, enquanto arrumar a casa, ouvir as provocações dos objetos!