Naquele domingo, o sol
amanheceu um pouco mais cedo que de costume, antes das sete,
prometendo um dia bem ensolarado e quente. Um desses dias de
veranico, fora de hora mas que esquenta de fazer curtir a cabeça de
qualquer um, ainda que ande com cobertura e para noite esfrie tanto
que sujeito bata o queixo. Germano acordou cedo, se espreguiçou,
botou água pra ferver pra cevar um bom chimarrão e foi dar uma
olhada nos bichos. Viu que seu Hermano já tava cuidando de tudo,
entrou no galpão para dar uma espiada nos seus cavalos. Um quarto de
milha baio branco, forte robusto, 1,50m de altura, bom para tudo,
para trabalho, para cavalgada, para trote curto e largo... Passou a
mão nos pelos dele e disse:
_ É mano velho, acho
que vamos dar uma corrida longa hoje... e recebeu um relincho de
resposta, ao que Germano entendeu como um sim.
Tava indo ver o outro
cavalo, um crioulo alazão, bonito que dava gosto, quando escutou:
_ Seco, ô Seco, corre aqui que eu acho que tá dando bicho nos porcos.
Germano tinha este
apelido de tão magro que era. Comia de um tudo muito, mas não
engordava nem nos flancos nem no ventre. Seco foi ver a situação e
bah, que coisa era aquela agora que tava dando nos pobre dos bichos?
Parecia bicheira , mas não era.
_Sei não mano velho, o
jeito é buscar o doutor. Eu já ia mesmo para aqueles lados dar uma
olhada lá na exposição dos cavalos...
_ Nada, tua ia era ver
a prenda, aquela guapa morena.
_Deixa quieto isso,
deixa quieto. Vamos que vou encilhar o baio e levo o crioulo na
reserva.
Entrou na casa,
preparou o mate, tomou umas boas goladas e logo foi colocar a pilcha;
vai que realmente encontra a tal prenda que há meses ele tava de
olho, pensou enquanto ajeitava guaiaca.Colocou uma faca atrás e
outra no cano da bota, só pro precaução.Ajeitou o barbicacho e...
_Tudo pronto? Anda
mano, que moleza...
_Calma, Seco, que essa
pressa todo não é por causa do doutor, com certeza...
_ Deixa de prosa, que
daqui até lá são bem umas 2 léguas se não for mais. Levo 3 horas
se for no trote ligeiro, mas não posso puxar muito, senão os bichos
ficam secos.
_Secos como você é
difícil, e riu do irmão que era sempre muito sério e caladão.
Seco ignorou a menção
a magreza dele. Tava preocupado demais com os bichos, com a
distância, se ia achar o doutor e também a prenda. Nossa! que
domingo, mal tinha levantado pensando em curtir um pouco o veranico,
tirar os mofos das chuvas passadas e surgiu um monte de coisa para
resolver. _ Eta vida danada, meu deus!
Acertou os pelegos, a
sela, amarrou daqui e dali e montou. Eram 8 horas da manhã. Disse
para Germário, o irmão de criação dele, nascido na fronteira do
Uruguai, que lá para umas duas ou três horas estaria de volta, quem
sabe trazendo o doutor, caso ele não bebesse demais na festa, o
doutor e não ele.
E se foi.Pegou a
estrada de terra e saibro, longa e batida, cercada de capim aqui e
ali, muito capoeirão... Olhando de cima do cavalo, bem na direção
do horizonte, se via as corcovas da terra, como os contornos de uma
mulher deitada de costas... Bonito de ver, pensava Seco e lembrou da
guapa, das curva suaves, o tom moreno da pele, o cheiro de mato... As
araucárias iam se espichando aquí e ali, as acácias as aroeiras
que obrigam um a cumprimentá-las, os angicos, fortes que nem ferro,
uma beleza rica, de dar gosto de ver sem pressa. Pelas beiras da
estrada se viam as bergamotas cheias, carregadas, laranjais também
carregados parecendo árvores rústicas de Natal, verdes com bolas
cor de laranja... dava até água na boca. Seco pegou um pouco do
cantil e saciou a sede sugerida.
Já tinha andado bem
uma légua, e sem mais nem menos desceu uma serração, que ele
estranhou. O tempo não esfriava, só um pouquito, mas ficava difícil
de enxergar longe. Seco que conhecia bem o caminho, puxou seus
cavalos para os cantos da estrada e tomou o caminho de dentro, por
entre as fazendas. Puxou um pouco no trote apertado e logo a serração
foi se dissipando e ele voltou para estrada. Deu uma parada, para dar
água pros cavalos. De repente, quem ele vê? A chinoca,a prenda mais
linda que ele já tinha visto e que mexia com ele, mexia todo,
abrasava o corpo, amolecia as permas, alterava até a compostura.
Resolveu conter-se, fez um aceno de cabeça com o chapéu, porque se
caísse na besteira de falar alguma coisa poderia se atrapalhar e cair
no ridículo. Mais que rápido montou o baio e largou numa cavalgada
ligeira. Mais umas léguas sem pensar em nada chegou na tal
exposição. Pequena, mas boa.
Uma belezura, cada
alazão cada crioulo, os poneis.... um festival de tons, formas e
tamanhos. Tinha boi, vaca, porco. Era o último dia e tinha uma fila
de caminhões para embarcar os bichos. Recostado em uma cadeira junto
ao Pavilhão de Gado de Corte, o tratador Leonel de 52 anos, contava
as horas para pegar a estrada e partir de volta a Alegrete.
_É mais pela
canseira”, reclamava. Ele acredita que os animais sofrem menos com
o cansaço, - Eles estão acostumados, são animais de feira, muitos
até nascem nas feiras e gostam disso tudo”, disse o tratador, que
há 12 anos cuida do gado charolês em feiras.
No meio daquele
furdunço Seco olhava de um lado para outro procurando o Gregório
veterinário...De repente viu ele conversando com o criador de porcos.
Caminhou na direção dele já acenando.
Esperou o homem acabar
de falar e emendou logo:
_ Seu gregori, os
bichos la de casa tão mal.
_ Os cavalos?
_ Não, os porcos,
parece que é bicheira ou essa tal de suína. Senhor tem que vir
logo.
_ Tá, mas deixa
acabar a feira que eu ainda tenho muita consulta. Vai tu na frente e
me vai lavando os bichos e separando os que tão mal.
_ Certo seu doutor, já
vou pegar a estrada de volta, agora mesmo.
Deu mais uma olhada na
feira que estava cheia de prenda também, mas não achou a que seus
olhos queriam.Talvez tivesse ficado na calma do campo, apreciando o
sol nas coxilhas, ouvindo as saraúnas e os quero quero, sentindo o
cheiro da erva que cresce rústica pelas beiradas do caminho...
_ Montou o crioulo, segurou o baio e veio a trote largo, para ver se chegava a tempo de fazer o que o doutor pedira. O tempo mudara, o sol já ficara escaldante e passava das 2 horas da tarde. Bateu uma sede nele e também no bichos. Puxou os cavalo mais para dentro, onde ele sabia que tinha um córrego. Seco olhou, um pe de bergamota carregado. Resolveu tirar umas para saciar a sede e o cansaço da cavalgada. Mal tava chupando uma quando apareceu o dono da propriedade e foi logo gritanto.
_ Montou o crioulo, segurou o baio e veio a trote largo, para ver se chegava a tempo de fazer o que o doutor pedira. O tempo mudara, o sol já ficara escaldante e passava das 2 horas da tarde. Bateu uma sede nele e também no bichos. Puxou os cavalo mais para dentro, onde ele sabia que tinha um córrego. Seco olhou, um pe de bergamota carregado. Resolveu tirar umas para saciar a sede e o cansaço da cavalgada. Mal tava chupando uma quando apareceu o dono da propriedade e foi logo gritanto.
_A bergamota tem dono.
Se quiser chupar tem que pagar.
- Mas tavam caídas
no chão, e além do mais não to pegando dúzia, peguei umas 3 só
para matar a sede...
_ Comigo não tem essa
de três ou trezentos. O que é meu é meu e quem pega paga...
O homem pegou de um
facão de mateira e Seco pegou da faca da bota deixando a da guaiaca
para reserva.O homem partiu para cima, Seco se esquivou, mais uma
investida e Seco evitou o facão. De repente, ele olhou pro lado e
viu a chinoca, olhos arregalados, mãos na boca, apavorada, num grito
mudo. Quando ele tentou falar com ela, o pai deferiu-lhe o golpe,
cortando o braço esquerdo de Seco. Luana, a chinoca, correu na direção de Seco, calada, só olhava...Seco balbuciava, ah chinoca ,
ah chinoca, como te quero...
Ela , então decidida,
se colocou entre o pai e o taura amado e disse. _que mesquinhez, por
causa de 3 bergamotas e o senhor com os pés cheios. E agora? Então,
ela rasgou um pedaço do avental, amarrou no braço de Seco para
estancar e perguntou.
_Fica?
Ele fez menção com a
cabeça que não – outro dia disse, so para te ver!
Ela ruborizou e ajudou
ele a caminhar até o cavalo. Secou montou, taura que era e foi a
trote para casa arrumar as coisas pro doutor
Quando chegou,seu Hermano quase teve um troço. _Que foi isso homem? Com quem tu
brigaste na feira? Foi por causa da prenda, aposto!
-Cala boca homem, não
foi nada, apenas um entrevero com o dono das bergamotas, aquelas lá
do riacho. Parei um instante para dar água pros bichos, peguei umas
bergamotas para matar meu cansaço e o homem saiu de facão e tudo...
só faltava puxar da arma , se não fosse ela...
_ Sabia, sabia que ela
tava no meio. Mulher é fogo, só serve para atazanar o juizo de um
bom cristão...
_Para de prosa, que o
doutor vem quase chegando. Temo que limpar os bichos, separa os bons
dos ruins..
Enquanto falava, quem
veio vindo de mansinho?A tal da chinoca, veio suave como cheiro de
flor de laranjeira, foi se aproximando, o silêncio dos dois, e ela
foi ficando, foi ajudando, foi lavando os porcos, arrumando a casa,
lavando a roupa...
Quando se deu da conta,
já tinha passado uns meses.
Certo dia o pai veio
ver, meio como visita. Olhou a filha barriguda, cumprimentou o Seco e
disse: - Minha propriedade é de vocês.Vocês ficam, vocês cuidam
e pronto. Dá um qualquer para mim e tá bom. Seco não disse nem que
sim nem que não. Não queria aceitar favor de quem quase o matou.
Luana se aproximou do pai, deu um longo abraço e disse que sim com a
cabeça. Depois perguntou:
_Pai vai para onde?
_ Sei não, vou por
estes rincões, quem sabe encontro seu mano... Vou atravessar este
Rio Grande, conhecer esta terra tão bonita... Disse e arrancou com o
cavalo.
E Seco, Luana e
Germário ficaram ali presos que nem angico, sem nem um movimento.
Depois cada um foi saindo para sua obrigação. Só Luana falou:
_Depois temos que ir
nas terras do pai começa a cuidar, o terreno é bom, tem bergmota à
vontade...