Só o ser humano faz Arte

A Arte é mais que expressão pessoal ou uma forma de conhecimento, é um ato de criação e como tal, um ato de Amor.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

ELE TAMBÉM FOI ARTESÃO!

             A vida de Brancusi é um destes exemplos de como a paixão conduz melhor um indivíduo na existência, do que qualquer escola ou sistema sócio-religioso criados e cultuados mais para a massa que para indivíduos especiais. Estes sistemas e escolas nada estimulam em termos de produção, uniformizando tudo na padronização estúpida da ideologia do Único.
Ao contrário do que se pensou quando as escolas foram criadas, o homem educado respeitaria as leis, saberia conviver em sociedade, seria tolerante com a diferença, aprendendo a conviver com o diverso, cultuaria mais as atividades do espírito que o corpo, etc. Aos poucos, o que presenciamos é exatamente o inverso, pelo menos nas escolas brasileiras e nas dos países em desenvolvimento. Menos horas de estudo; menos conteúdo; facilidades para obter graduação, diplomas; pulverização da figura do mestre-professor; criação de métodos, apostilas, livros facilitadores que não visam o real desenvolvimento do conhecimento ou da arte, mas unicamente, a passagem pelo sistema escolar para engrossar as fileiras dos diplomados a fim de apresentar uma imagem nacional e internacional falsa, para atrair investidores.
Em termos de arte então, aqui no Brasil é bem pior! Com escolas raras e fraquíssimas que mal constituíram um saber acadêmico, adotaram uma “vanguarda” e pularam para uma dissolução da arte sem ao menos entender o que é Arte, sem nenhum conhecimento da Estética com sua função artístico-individual e coletiva na sociedade. É como se uma criança entrasse na escola sem saber ler nem escrever e já fosse iniciada nos programas de editoração de texto e tudo mais. Mas falávamos de Brancusi.
Nascido na Romênia (Hobita) em 1876 entre camponeses e pessoas simples, foi pastor de ovelhas e aprendeu a ler e escrever sozinho. Aprendeu a talhar com artesões populares da sua região e depois na Escola de Artes e Ofícios (1894/98). Ganhou uma bolsa para Escola de Belas Artes de Bucareste (1898/1902) e aí começou a se delinear seu trabalho. Passou por Munique e parou em Paris onde passou a maior parte da sua vida, daí muitos o considerarem francês de origem Romênia. Trabalhou em restaurantes e foi cantor de Igreja devido às inúmeras dificuldades que encontrava para sobreviver e continuar a desenvolver seu trabalho.
Na França estudou com Antonin Mercié – escultor acadêmica florentino – e recusou-se a freqüentar o ateliê de Rodin pois já se encaminhava para o abstracionismo, rompendo com a forma naturalista. A partir daí, graças, sobretudo, a suas relações com artistas de vanguarda, como Max Jacob, Apollinaire, Picasso, Léger e Modigliani, Brancusi criou estilo próprio, abandonando o nu e toda a temática romântica.
     Seu primeiro grande trabalho foi "Le Baiser" (1908; "O beijo").

Na primeira versão de "La Muse endormie" (1908; "A musa adormecida"), em mármore, os traços naturalistas de uma fisionomia são apenas evocados, mas ainda lembram a escola do grande escultor francês romântico Auguste Rodin. Já na segunda versão, em pedra (1909), e nas posteriores, em bronze (1910, 1911 e 1912), os volumes já estão reduzidos a formas ovais fundamentais, apenas sugerindo as feições.


     O ovo, essência das coisas, aparece com freqüência na obra de Brancusi, como em algumas crônicas de Clarice Lispector. Sendo a pergunta humana a mesma na cabeça de todos que buscam a origem da vida, Brancusi encontrou, segundo ele, a resposta: o ovo veio primeiro. E esta forma será evocada constantemente em seu trabalho, como em "Prométhée" (1911; "Prometeu") e "Le Nouveau-Né" (1915; "O recém-nascido"). 

Em 1924 o escultor criou um ovo propriamente dito, de mármore, a que chamou "Le Commencement du monde" ("O começo do mundo"). Quando perguntado do significado da sua arte, respondeu:  “É uma escultura para cegos"!
     A elaboração repetida de um assunto é típica de todos os artistas e não faltam exemplos tanto na pintura, na música, na literatura e outras formas de arte. A repetição não tem o mesmo significado que o senso comum confere ao termo e ao ato. A repetição em arte é exercício da forma, é experimentação consciente e algumas vezes a marcação de uma questão importante, de um fato belo, de uma faceta da paixão... Para citar apenas as artes visuais, o exemplo clássico é a Catedral de Monet. Mas diversos outros artistas pintaram, desenharam ou esculpiram o mesmo tema ou a mesma figura.
     Brancusi não é exceção: os "Oiseaux" ("Pássaros") começa com seu "Maiastra", pássaro do folclore romeno, em mármore (1912), hoje no Museu de Arte Moderna de Nova York. O tema progride até chegar à sua 28ª versão (1940), em que o ser mitológico já é apenas "L'Oiseau dans l'espace" ("O pássaro no espaço"), representações em bronze polido daquilo que Brancusi tentava figurar desde o princípio, a "essência do ovo".






   Uma anedota bastante curiosa sobre o escultor aqui tratado aconteceu  em 1925 quando o artista enfrentou o governo americano numa controvertida disputa judicial, pelo fato da alfândega dos Estados Unidos ter impedido a entrada de uma das versões dessa obra. Ignorantes da arte abstrata, os fiscais criaram uma polêmica inusitada, insistindo que "L'Oiseau dans l'espace" não era obra de arte, mas contrabando de bronze.  Depois de muita contenda, o escultor ganhou a questão, firmando jurisprudência no assunto.
     Considerado em sua época um "artista difícil", só na maturidade Brancusi conseguiu sucesso de público. Em 1937-1938 compôs um conjunto de esculturas monumentais ao ar livre para a cidade romena de Targu-Jiu, dominado pela "Colonne sans fin" ("Coluna sem fim"), em metal dourado e com mais de trinta metros de altura.
Tendo abraçado a França como sua segunda pátria, Brancusi morreu em Paris, em 16 de março de 1957. Pioneiro da escultura abstrata, Brancusi tentou chegar às formas mais despojadas, libertando-se das aparências temática evidenciadas na superfície para revelar a beleza intrínseca dos próprios materiais utilizados, quer seja o mármore, quer seja o bronze ou mesmo a madeira.
Sua obra é singularíssima, pois a fruição dela deixa entrever a sua delicadeza, a sua idéia do objeto a qualquer espectador ao mesmo tempo em que se pode fruir o sentimento da arte de esculpir, de lidar com a matéria pura, ato evocativo de suas raízes camponesas. E o mais interessante é que ele começou como um simples artesão, como  o pintor impressionista francês Auguste Renoir. Minhas preferidas são: Mademoiselle Pogany (presente na abertura deste blog) e Le poisson (O peixe).