Só o ser humano faz Arte

A Arte é mais que expressão pessoal ou uma forma de conhecimento, é um ato de criação e como tal, um ato de Amor.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

O PÃO NOSSO DE CADA DIA




Quando eu era menina, adorava comer pão francês que saía fresquinho, ora de manhã, ora à tarde. Chamávamos só de pãozinho ou de bisnaga se fosse em formato grande, de 200g. O pão era realmente delicioso...quando saía do forno, quentinho e crocante, mesmo sem manteiga era sensacional. Podia ser comido no caminho para casa e era uma experiência primordial, como o leite materno! Se não fosse comido na hora, caso conseguisse resistir à tentação, horas depois, ele ainda estava fresco, bom para comer com manteiga, queijo, sopa ou mesmo com goiabada, geléia... enfim, o pão era o principal e podia ser acompanhado de qualquer coisa que se pensasse ou quisesse.

Podia-se guardar o pão que não tinha sido consumido e ele virava "pão dormido". Este, era o mesmo pão, só um pouco menos fresco e bastava umedecê-lo e colocá-lo no forno médio, e eis que ele voltava a ficar fresco, de novo. Era muito bom e acolhedor. Também podia-se colocar o tal diretamente no fogo, na boca do fogão, espetado no garfo; "queimava-se" um pouco de um lado e do outro e o sabor ficava sensacional, com aquele cheiro de pão na brasa, gosto de pão na lenha. Mas não era só isso: dois ou três dias depois, o "pão dormido" virava "pão duro", mas ainda estava bom. Não mofava nem murchava. E fazia-se pudim de pão ou rabanadas, molhando os pedaços no leite doce com ovos batidos, para ser consumido com açúcar e canela, depois de fritos em óleo bem quente e escorridos. Não ficava gorduroso nem ransoso, porque o pão era de qualidade. Ou simplesmente virava torrada para acompanhar o chá dos que estavam de dieta. E podia-se comer a torrada purinha, sem nada, de tão gostosa e consistente que ficava. No fim de tudo, quando fosse preciso untar uma forma, fazer uma almôndega ou mesmo uma milaneza, a torrada virava farinha de rosca, esfarelando a torrada não consumida na mão mesmo. Uma verdadeira aula de reciclagem, não acham?!



Hoje, não podemos extrair isso tudo do nosso pãozinho. Às vezes, é difícil comê-lo  assim que sai do forno de tão inchado que fica depois de acrescentarem bromatos e outras "coisas". Isto se  não estiver mal assado ou queimado como muitos supermercados apresentam o produto.  Aliás, dizer que supermercado tem padaria boa é  quase impossível. Não vou dizer que é geral, porque em alguns mercados de zona sul (caso do Rio de Janeiro) ou seja, mercados que ficam nas zonas mais favorecidas de qualquer cidade, pode ser que eles façam um pão melhor, não como o nosso pãozinho! E eles ainda justificam que o "povo de lá" (da grana) tem paladar exigente e prefere o pão de qualidade, senão não compra e o produto encalha. Em contrapartida, o "povo de cá de baixo" , aceita qualquer coisa até porque nem está em "condições" de exigir nada! Pura discriminação! 



A legislação brasileira já permitiu diversas misturas, seja com fermentos químicos seja com outras farinhas que não fazem o mesmo pão francês. Surgiu então o "pão papel" que é fácil de rasgar com a mão, mas não cortar com faca; o "pão de vento" que é igual ao biscoito de polvilho que você morde e...nada! Tem o "muchiba" que já vem murcho, dizem que é para fazer pudim (se conseguir fazer que fique com gosto bom, já que a matéria prima não é só murcha, tem mal gosto). Tem o "pão balão" inchado por fora e dentro só ar... E por aí vai! Se for fazer uma pesquisa por este Brasil a fora, vai se saber os muitos nomes deste mutante do pão francês. E quando você vai ler o texto que determina sobre o que pode e o que não pode colocar dentro do pãozinho, tudo tem um ar sério de muita consideração e importância vital, escondendo os lobies, as intenções, o instinto comercial maquiavélico de pensar só em lucro. Por exemplo, conversando com alguns padeiros e donos de  padarias, fiquei sabendo que eles adotaram esta tal mistura para "facilitar" o trabalho e uniformizar o pão (isto soa meio McDonald, não!?).  Padeiro não quer acordar cedo nem trabalhar (diz o empregador), e dono de padaria quer lucrar e não quer ficar na mão do padeiro que é bom (diz o padeiro), e... bom, as justificativas  são várias. Mas o interessante é que ninguém compra pãozinho com rótulo para saber exatamente o que vem nele. E se alguém quiser um verdadeiro pão francês tem que encomendar e descaradamente as padarias que vendem pão francês, colocam outro nome no tal pãozinho para vender mais caro e fazer direito o que já deveriam estar fazendo. Aí, para quem quer saborear o mesmo pão francês, o pãozinho da infância, tem que encomendar a "baguete italiana ou francesa", que nada mais são do que as antigas bisnagas bem feitas, sem aditivos químicos ou outras farinhas que não a de trigo puro.

De fato, dizem que tudo isso é progresso e que ninguém pode se opor a ele, com o risco de ser acusado de conservador, reacionário ou outra coisa pior. Entretanto, percebo que se houve progresso no pãozinho, ele não significa necessariamente que foi para melhor, de onde conclui-se, junto com tantos outros exemplos, culinários ou não, que progresso é um movimento - sim - mas que não pressupõe a direção: se para cima ou para baixo, isto é, se para melhor ou para pior. Que a sociedade caminha, isto é fato, mas pra onde, em que direção? De fato, para baixo, para pior, para decadência descarada com nome de nova era, era das massas (não de pão!), era das tecnologias...blá, blá, blá!